Coisa de Mãe

Meu filho de chuteiras

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Domingo, 15 de maio. Em campo, Santa Cruz X Sport. Para quem não sabe, dois dos três grandes times de Pernambuco. O Santa amargava cinco anos de derrotas sucessivas. Tantas que foi parar na série D. Quarta divisão. Meu filho tem cinco anos e nasceu tricolor. Herança paterna. O ano do seu nascimento foi o último ano em que vimos o Santinha (para a torcida fervorosa) ganhar o campeonato pernambucano. Este ano, a situação do Santa Cruz não parecia diferente. Iniciou com uma campanha tímida. Segundo a imprensa, no começo do campeonato, o time era mero “coadjuvante”. Ao longo dos jogos, foi crescendo. Com uma torcida fiel, que produziu camisas com o slogan “Santa Fidelidade”, o Santa voltou a tomar gosto pelas vitórias. Com o atacante Gilberto, liderando a artilharia, a esperança voltou aos corações dos tricolores. O do meu marido, em particular, quase que não aguenta. O do meu filho, por tabela, batia mais rápido, em compasso com o do pai. A mim, ele perguntava: “O Santa joga hoje?”, “saiu no jornal que o Santa ganhou?” e por aí vai… Eu, com aquele cuidado de mãe: formar um torcedor, um amante do futebol que não descambe para o fanatismo. No domingo anterior, dia 8 de maio, o Santa tinha ganho do Sport na casa do adversário, na Ilha do Retiro. Seguia tranquilo para a final. Ao longo da semana, meu marido anunciou: “Vou levar João Marcelo para o campo na final”. O meu coração disparou por um motivo completamente diferente da taquicardia que os torcedores do Santa vinham sentindo… Na hora, respondi: “Vou também. Quero torcer pelo Santa”. Meu marido olhou com desconfiança. No íntimo, pensou: Isso não é coisa de torcedora. É Coisa de mãe. Claro que ele não verbalizou. Mas eu vou confessar aqui. Eu sempre torci pelo Náutico. Era alvirrubra antes de o meu filho nascer. Depois que pari, Marcelo logo notou que a criança só seria tricolor se a mãe também fosse. Fez um apelo – que me soou como uma exigência -, mas fiz de conta que entendi como apelo. Quando João Marcelo perguntava, eu respondia: “Todo mundo aqui em casa é Santa, filho” (Deus perdoa mãe que mente para o filho por uma boa causa… Eu espero… Se eu disser que esta é a única mentira que já contei para o meu filho, em cinco anos da vida dele, vocês também vão perdoar… Acho…) A fidelidade ao meu time foi para o espaço. Daí em diante, era Santa. No Dia das Mães, este ano, o tiro de misericórdia. João Marcelo escolheu, ele mesmo, sem interferência qualquer do pai, o meu presente. Uma camisa oficial do Santa Cruz. Enfim, estava oficializado. Eu virei a casaca… Ingressos na mão, fomos ao campo. Eu, que só tinha entrado em campo para ver o Brasil jogar, na Copa de 1994, estilei. Tem que chegar duas horas antes de o jogo começar, João Marcelo tem que ir no braço, leva a camisa do time na bolsa e só veste em campo… Mais complicado do que eu imaginava. Ainda mais, considerando que o adversário era o inimigo público de todos os times pernambucanos: O Sport. Os carros eram interceptados a uns 500m do estádio do Arruda (era a nossa vez de jogar em casa… Nossa?). Começamos a andar. Polícia, cavalaria. Gente que não acabava mais. No meio do caminho, um torcedor orgulhoso perguntou: “É o Galo da Madrugada?”. Para quem não sabe, referia-se ao maior bloco carnavalesco do mundo. Um exagero, mas àquela altura, depois do jejum de cinco anos, ele tinha todo direito. Na verdade, não era o Galo da Madrugada, mas era o jogo de maior público do ano, no Brasil. Fomos para as cadeiras. De lá, assistíamos a Inferno Coral – torcida organizada do Santa Cruz – dar seu espetáculo à parte. João Marcelo se irritou: “Tô com raiva, mãe. Esse jogo não quer começar…”. faltava uma hora para os jogadores entrarem em campo quando ele fez a primeira reclamação. A segunda veio seguida de uma cabeça no meu colo e um sono tranquilo para quem estava no meio de 55 mil pessoas, com a maioria gritando “Tri, tricolor, tri, tri, tri, tricolor”. O jogo começou e eu avisei. Ele deu um pulo. Em pé, na cadeira, já que ninguém se sentava (pergunto-me até hoje o sentido das cadeiras se as pessoas não se controlam e não conseguem mesmo ficar sentadas…). Primeiro tempo, o Santa só se defendeu. O rosto de meu marido era de tensão. Era demais perder o título depois de tanto esforço. Fim do primeiro tempo, 0 x 0. Meu filho olhou e disse: “Mãe, o Santa tem que ganhar, né?” “Não, pode perder de 1 x 0” “Como, mãe?” Ele não entendia que, às vezes, mesmo perdendo, a gente ganha. Ele olhou para mim, muito compenetrado e respondeu: “É melhor que fique assim, empate”. O segundo tempo veio e com ele a recuperação do Santa. Fez um belo jogo. Emocionante, com uma torcida fiel, que não se cansava de gritar, de empurrar o time para a vitória… Porém, nada de gol. Coisas do futebol. Um pouco de frustração, mas o título era nosso (nosso, de novo?). E o grito de campeão era inevitável, mesmo faltando cinco minutos para o jogo terminar e apesar de um pênalti marcado no último minuto do segundo tempo contra o Santa, que acabou perdendo por 1 x 0. Perdendo o jogo, claro. Depois, a taça, a comemoração da torcida e com a torcida. Meu filho, feliz. O pai, feliz. E eu, tricolor desde criancinha, feliz pelos dois, maravilhada com a torcida.  João Marcelo colocou a faixa de campeão pernambucano que o pai comprou sem pechinchar, depois do jogo… E o principal, para mim, nós, voltando para casa, sãos e salvos. João Marcelo continuou sem entender como é que o Santa perdeu, e ganhou. Ficou só o registro e a interrogação. Não foi desta vez, mas chegará o dia em que ele entenderá: o que conta não é a partida em si…

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